Bruna Hercog | A Tarde
Alvo de muitas especulações por parte da mídia, Chico Xavier decidiu se preservar. Foram 20 anos sem qualquer contato com a imprensa. O silêncio foi rompido em 1971, quando o médium mineiro apareceu psicografando ao vivo no programa de entrevistas Pinga- Fogo , da extinta TV Tupi. Foi um marco. A audiência chegou a 75% dos televisores ligados, a maior da história da televisão brasileira.
Até hoje nenhum programa conseguiu superar a marca obtida pelo Pinga- Fogo com Chico Xavier. Para se ter uma ideia, o tradicional Jornal Nacional, na década de 1970, chegou ao ápice de 70 pontos e em 2009 teve média de 31 pontos. A primeira entrevista foi ao ar no dia 28 de julho de 1971. O recorde inesperado de audiência levou a produção do Pinga- Fogo a repetir a dose.
Logo em 20 de dezembro, lá estava Chico Xavier de novo, no centro das atenções e bombardeado por perguntas sobre os mais diversos temas e elaboradas por uma gama de entrevistadores bem diversa: católicos, judeus, ateus, espíritas, pastores evangélicos e jornalistas. Perguntas polêmicas foram feitas, e Chico Xavier teve resposta surpreendente para cada uma delas.
O médium mineiro falou de reencarnação, sexo, catolicismo, aborto, bebês de proveta, cirurgia plástica. Sobre a homossexualidade, Chico foi categórico ao responder de que forma o espiritismo enxerga a questão: “O homossexualismo, assim como o bissexualismo, são condições da alma humana. Não devem ser interpretadas como fenômenos espantosos, como fenômenos atacáveis pelo ridículo da humanidade. Acreditamos que o comportamento sexual da humanidade sofrerá revisões muito grandes”.
A todo momento, Chico lembrava que o seu mentor espiritual, Emmanuel, estava ali, presente, assistindo a tudo e ajudando. Diante dasperguntas mais polêmicas, recorria ao guia com frases como: “Emmanuel, que está presente, pede para mencionar”. Sempre muito diplomático, o médium fez questão de dizer que tinha muito respeito pela Igreja Católica.
No segundo Pinga-Fogo, depois de exaustivamente bombardeado por perguntas durante duas horas e 45 minutos, um último pedido: que ele mandasse uma mensagem para os brasileiros. Em frente a dezenas de folhas de papel em branco, Chico colocou a mão na cabeça, como sempre fazia ao psicografar, e, folha após folha, foi construindo um texto.
Em poucos instantes, surgiu uma relativamente longa mensagem assinada por Cyro Costa, ex-poeta e ex-integrante da Academia Paulista de Letras. Todos ficaram boquiabertos. Seria humanamente impossível escrever um texto de tamanha complexidade naqueles poucos minutos. Chico Xavier foi aplaudido de pé pelo público que assistia ao programa no estúdio.
Marcel Souto Maior foi responsável pela publicação da primeira biografia jornalística sobre Chico Xavier. Não foi fácil conseguir o aval do médium para realizar o trabalho. Durante dois anos, o jornalista pesquisou nos arquivos da Biblioteca Nacional e observou algumas reuniões conduzidas por Chico Xavier no Grupo Espírita da Prece. “Chico já estava muito doente quando comecei o trabalho. Ele me pediu que o poupasse de entrevistas longas”, diz Souto Maior.
O jornalista explica que o olhar lançado pela imprensa sobre o médium foi mudando ao longo do tempo. “A mídia não tinha como negar o Chico abnegado, voltado para as causas sociais. No entanto, o Chico médium, que tinha contatos com espíritos, esse era alvo de muita desconfiança”, ressalta. Desconfiança que fazia o médium ter posição de precaução com relação a jornalistas.
Convencimento – Um dos poucos que conseguiram ganhar a confiança do médium mineiro foi Saulo Gomes. Em 1968, ele fez sua primeira entrevista com Chico. Três anos depois, Gomes conseguiu convencer os produtores do Pinga- Fogo a trazer o líder espírita para participar do programa de entrevistas que era conhecido por receber políticos. “A produção não queria criar conflito com a Igreja Católica. Foi muito difícil convencê-los”,relembra Saulo Gomes. A relação de amizade entre Saulo e Chico ficou forte.
Saulo passou a acompanhar o médium em diversos eventos e assessorá-lo no contato com a imprensa. Foram mais de 30 anos de convivência. “Tenho 54 anos de profissão. Conseguir oferecer a visibilidade que Chico Xavier merecia, para mim, foi um grande desafio que enfrentei e venci. Tenho a sensação do dever cumprido”, diz Saulo Gomes. Se ele se tornou espírita? A resposta é rápida: “Sou repórter”.