Participantes de audiência disseram que modelo não pode substituir aulas nas escolas e destacaram acesso à internet como obstáculo no Brasil
Especialistas em educação aconselharam cautela aos parlamentares na análise da oferta de educação híbrida – com ensino remoto e presencial. A recomendação é que o ensino remoto seja visto como complementar ao presencial, de forma a enriquecer o aprendizado dos estudantes do ensino básico. Os especialistas ressaltaram que não se pode confundir híbrido com remoto. Para eles, discute-se o assunto no Brasil como se híbrido fosse um novo nome pra remoto.
O assunto é tema de um projeto de lei (PL 2497/21) e foi discutido nesta segunda-feira (25) pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, onde está em análise.
Entre seus pontos, o projeto de lei permite a adoção, no ensino médio, da educação híbrida, caracterizada por momentos presenciais e remotos com a utilização pedagógica de tecnologias digitais. Conforme o texto, em períodos de emergência, a educação híbrida também poderá ser adotada na educação infantil e no ensino fundamental.
Complemento
A ideia de metodologias híbridas, segundo a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães Castro, está presente em documentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Segundo ela, não se trata de uma modalidade, mas de um recurso a mais, que não elimina as atividades presenciais. Deve, em vez disso, permitir a ampliação do tempo de aprendizado dos estudantes, sendo complementar ao ensino presencial.
“Na educação básica, as escolas podem ampliar o tempo de aprendizagem dos alunos. Escolas que hoje têm quatro, cinco horas por dia, poderão oferecer seis, sete horas por dia por meio de atividades híbridas complementares, com mediação tecnológica e interação pedagógica dos professores. Isso vai enriquecer, melhorar a qualidade da educação básica brasileira”, apostou Maria Helena.
Luisa Canziani: ensino híbrido pode melhorar a gestão educacional
Na avaliação do presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Garcia, a proposição precisa deixar claro o que se trata por ensino híbrido. Ele chamou a atenção para o fato de que não se deve simplesmente reproduzir uma aula presencial, e o aluno acessar de casa. Deve ser um processo acompanhado.
“Importante que essas ações sejam somadas a um planejamento pedagógico forte, consistente. É importante que as ações desenvolvidas em casa tenham orientação e acompanhamento para que se efetive o processo de educação híbrida”, ressaltou Garcia.
Já o conselheiro da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) Ricardo Furtado alertou que ensino híbrido não pode ser um novo nome para ensino a distância. “O ensino híbrido como complementariedade ao ensino presencial será bem-vindo. A nossa maior preocupação está com a qualidade do ensino, quais os critérios que serão definidos para que as escolas estejam formando pessoas para inserção na sociedade, no mercado”, disse Furtado. “Caso esse projeto venha a ser aprovado, que o relatório estabeleça critérios, para que não venhamos a ter mais prejuízos na educação no País”, disse.
Representante do Instituto Educatores, que reúne ex-secretários de Educação, Natalino Uggioni acrescentou que a aprendizagem vem sobretudo da interação com o professor. “A tecnologia sozinha não vai ajudar a resolver tudo. Ela deve estar a serviço. A grande diferença está nos gestores e nos professores, sem esquecer o acompanhamento da família”, afirmou.
Uggioni sugeriu ainda não amarrar, no projeto, carga horária da educação remota, deixando as escolas livres para definir quanto tempo será presencial e quanto tempo será remoto, “para fazer mais e melhor para além do tempo de aula”.
A autora do projeto, deputada Luisa Canziani (PTB-PR), também acredita que o ensino híbrido pode ser um mecanismo para melhorar a gestão educacional. Para ela, não deve ser utilizado apenas em períodos complexos, como a pandemia de Covid-19, mas deve ser regulamentado, com garantia de direitos para crianças e adolescentes.
A relatora do projeto, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), disse ter ficado claro que ensino híbrido não é modalidade. “Tenho muita clareza de que não é um novo nome para educação a distância. Não é uma nova modalidade. Isso é muito importante para a nossa abordagem em termos de texto.”
Tecnologia
Um obstáculo apontado para a materialização do ensino híbrido no Brasil é o acesso à internet e às tecnologias no Brasil. Luiz Miguel Garcia apontou o baixo acesso nas camadas mais pobres da população e ainda nas regiões Norte e Nordeste. Dados citados por ele indicam que menos da metade das escolas ensino médio de Acre e Roraima possuíam acesso à internet banda larga em 2020.
“Para que a gente possa de fato ter condições de fazer educação híbrida, devemos oferecer recursos pelo menos no ambiente escolar, para que possam ser utilizados também pelo aluno no contraturno, para se pensar em plataformas que descarreguem conteúdo”, observou Garcia.
Ele disse, por outro lado, que a educação híbrida pode acontecer de diversas formas, sem necessariamente ser mediada pela internet. “Pode acontecer com orientação em sala de aula e parte dela fora de aula, com o aluno sendo protagonista desse processo”, exemplificou.
O deputado General Peternelli (PSL-SP) defendeu um modelo de educação híbrida que possa ser ministrado por meio da televisão educativa. “Um programa de televisão em horários específicos. A criança que não pode ir à aula pode ligar a televisão e acompanhar. As pessoas que moram distante, a escola que inundou, houve uma pandemia, em qualquer desses casos, a televisão pode ser um complemento à internet”, sugeriu.
Problemas
Por sua vez, a secretária de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Correa, disse que não se pode agora dar um tratamento ao modelo híbrido como se tivesse dado muito certo durante a urgência da pandemia de Covid-19.
Rosilene Correa acredita que o Brasil tem problemas mais urgentes para sanar na área da educação
“Todo mundo sabe da ausência de suporte, de recurso para a pandemia. Não tivemos por parte do Estado nenhum investimento, nenhum apoio. Foi tudo feito a partir do compromisso de todos os envolvidos. As nossas escolas precisam ir além, oferecer aos estudantes mais do que eles encontram na internet. Não deve ser uma substituição. O que precisamos entender é que vivemos uma exceção. O modelo híbrido e necessário para vencer esse momento, mas não o vemos como uma política permanente”, disse.
Na avaliação dela, o Brasil tem urgências maiores na educação, como resgatar meninos e meninas que estão fora da escola.
Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei
Reportagem – Noéli Nobre
Edição – Ana Chalub
Fonte: camara.leg.br