As redes sociais online estão adquirindo uma importância crescente na comunicação da pesquisa científica como meio e ferramenta de apoio à gestão, publicitação, compartilhamento e avaliação dos conteúdos. Nesse sentido, o Programa SciELO vem promovendo junto à sua comunidade de periódicos a adoção das redes sociais para ampliar a visibilidade e disseminação das pesquisas publicadas. Como parte desses esforços no engajamento da Rede SciELO nas novas ferramentas interativas, convidamos Atila Iamarino para responder questões sobre a relevância e particularidades de uma dessas tecnologias interativas – os blogs. Atila é um colaborador do SciELO, biólogo e pesquisador da USP, experiente em mídias sociais voltadas à academia, atuando como blogueiro de ciências desde 2007, além de fazer parte da rede de blogs científicos ScienceBlogs Brasil, versão em português da maior rede mundial de blogs – o ScienceBlogs.com, e também um dos editores da versão em português do ResearchBlogging .com – um agregador de blogs científicos presente em sete idiomas. Essa entrevista mostra as vantagens do uso dos blogs de ciência pela comunidade científica.
- Você concebe blog como uma ferramenta para apoiar a pesquisa científica? Poderia falar um pouco sobre os blogs de ciência e os novos modos de gestão da informação?
Sim, os blogs são excelentes ferramentas para apoiar a pesquisa científica – na verdade, uma ferramenta de escrita e interação com o público, que é o que o blog tem de mais importante: esta capacidade de permitir postagens dinâmicas, frequentes e uma interação com o público através de comentários, troca de links e recomendações. O blog é uma excelente ferramenta para apoiar a pesquisa científica que pode ser usada em todos os estágios e em todas as etapas da produção de pesquisa, desde um caderno de laboratório de um aluno, onde o pesquisador pode catalogar o que ele fará no dia seguinte ou o que tem feito no laboratório, as dificuldades que teve, até a ferramenta final para publicar os resultados e discuti-los. Essa chance de expor o que está sendo feito e discutir isso com o público – e este público pode ser qualquer um, desde o público leigo até os pesquisadores e pares, permite que o blog possa ter diferentes papeis em cada estágio da ciência e isso influencia completamente os modos de gestão da informação, tanto substituindo ou complementando um caderno de ata de laboratório, um caderno de ata interativo, recursivo que pode ser atualizado o tempo todo, até uma ferramenta para publicação de resultados científicos, como eu vou discutir em outras perguntas.
- O blog de ciência, em sua opinião, também pode ser visto como meio de comunicação para um público amplo e, portanto, como meio de popularização do conhecimento científico?
Sim, o fato de o blog ser uma ferramenta aberta, gratuita, que pode ser usada por qualquer um, dá margem para diferentes formas de uso por quem o escreve. Se o autor quer discutir só resultados de pesquisa com quem está qualificado para comentar e discutir, pode usar o blog só como ferramenta para comunicação entre pares, mas se quer exercer a comunicação científica e escrever para o público leigo é um espaço perfeito pra isso também. Então tudo depende, na verdade, muito mais da abordagem que o autor quer dar para o que escreve e do tempo e esforço que ele quer dedicar àquilo e como ele quer ilustrar e trabalhar o texto, do que a restrição da ferramenta em si. O blog é simplesmente uma ferramenta de atualização e escrita constante; quem vai determinar qual é o público é quem escreve.
- Em 2007 surgiu a plataforma de blogs de ciência Research Blogging1, que hoje agrega mais de mil blogs ativos que comunicam o conhecimento científico. O que caracteriza tal crescimento e o que você destacaria nesse contexto?
O Research Blogging cresceu em parte pela popularização, em diferentes línguas, da ferramenta de escrita que é o blog. Para mim, o que mais o caracteriza é o crescimento em outras línguas que não o inglês, o que indica interesse local por quem está escrevendo, divulgação em diversas línguas, e uma série de idiomas que acabaram entrando para o Research Blogging depois que ele foi aberto, como português, italiano, chinês2. O que destaco neste contexto é que a dinâmica de uso dos blogs vem mudando desde então – houve um pico de postagens e de novos blogs escritos durante o período entre 2009 e 2010 e de lá pra cá, na verdade, o ritmo de blogs diminuiu, o que indica que as pessoas estão usando outras ferramentas, também redes sociais como Facebook, Twitter e outras plataformas para comunicar diferentes aspectos do que fazem. Antigamente o blog era usado para recomendar desde links a artigos até o que a pessoa estava escrevendo com mais tempo, e hoje em dia estão escrevendo essas recomendações em outras plataformas e deixando o blog para um texto mais dedicado, mais completo, com mais referências. Na verdade, de 2010 para cá o número de posts por blogs diminuiu, mas o número de citações por blog cresceu, ou seja, os textos estão ficando mais elaborados, o que parece ser um refinamento do uso da plataforma, que é bem saudável.
- Blogs, blogosfera científica e acesso aberto podem ser vistos como instrumentos agregadores em prol da democratização do conhecimento científico e, ao mesmo tempo, facilitadores de acesso à leitura de pesquisa?
Sem a menor dúvida, os blogs, na verdade, têm um papel duplo de acesso à informação. Têm o papel que o autor pode dar, que é de transformar o texto científico em um texto compreensível para o grande público. Então é o acesso à educação que o público não tem para interpretar aquilo, e eu falo educação no sentido de treino científico, pois não é todo mundo que vai pegar um texto científico e entendê-lo desde o começo. Na verdade, muitos pesquisadores precisam de anos de treino para conseguir realmente entender e ler, de uma vez só, um artigo científico, e no blog, quando o autor consegue resumir bem o artigo e explicar o que está contido nele, já está fazendo essa ferramenta de acesso independente do acesso que o público tem à fonte original da pesquisa, no sentido de conseguir entrar e ver o que tem naquele artigo. E há também outra etapa que é: muito do que se publica de pesquisa hoje em dia ainda é fechado para o grande público. Financiamos pesquisa com impostos e taxas que vão financiar os pesquisadores, vão financiar as instituições de pesquisa, mas a pesquisa que é publicada por esse grupo todo vai para revistas que são de acesso fechado e que cobram uma assinatura muito cara para essa informação. Então, em paralelo à iniciativa de acesso aberto, como a iniciativa que o SciELO tem desde sua criação, que é disponibilizar o artigo para todo mundo poder ler, os blogs podem permitir esse acesso pegando artigos que são de acesso fechado e transpondo-o, falando sobre o conhecimento que está descrito para todo mundo num lugar que é acessível. Então, por mais que público não tenha acesso ao artigo que foi publicado originalmente, tem acesso aos comentários sobre ele num blog, o que é fundamental, em minha opinião, para democratizar a pesquisa que é feita.
- Como caracterizar blogs e blogueiros no campo da ciência?
Blogs e blogueiros vão ter papel em qualquer canto do campo da ciência, desde divulgadores e promotores, e aí incluo também leigos que escrevem sobre ciência e jornalistas que escrevem muito bem sobre ciência – frequentemente muito melhor do que os pesquisadores, para falar sobre pesquisa recente e importante; até blogueiros que estarão divulgando pesquisa de fato e gerando métricas, dados que vão ser usados em outros artigos. O blog e o blogueiro podem servir tanto de divulgador no final da pesquisa quanto gerador de dado para novas análises e para discutir a maneira como a ciência é feita.
- Como funciona o blog de ciência como fonte de métrica do desempenho dos artigos de periódicos científicos?
Até alguns anos – dez, quinze anos atrás, ninguém podia ir à biblioteca e ficar ao lado da copiadora vendo quais eram os artigos científicos que eram mais lidos. Para isso, uma das medidas de leitura e de uso dos artigos virou a citação em outros artigos, quer dizer, eu sei que o artigo é bem lido e é importante quando tem mais gente lendo e citando. Mas hoje em dia temos como saber uma série de outras coisas sobre os artigos, como quantas pessoas os recomendam e quantos blogs comentam e falam sobre depois da publicação, e isso gera uma nova camada de medidas que podemos ter sobre esses artigos. Menos da metade dos artigos acadêmicos publicados são citados uma vez ou mais, ou seja, quando discutimos citação como referência para o uso do artigo, invariavelmente deixamos de lado pelo menos metade da pesquisa que é feita no mundo; em compensação quando começamos a incorporar outros usos que esse artigo pode ter, como sua citação em blogs de ciência, conseguimos entender outros tipos de relevância de um artigo. Então um artigo que não é citado por outros, mas que é muito citado por blogs como relevante, como importante, tem um uso que deve ser medido e comentado. O fato de um artigo não ser citável, mas ser altamente recomendável, lido e comentado indica que aquela pesquisa é relevante ou que o que aquele pesquisador fez tem valor, só não tem como ser medido pela métrica clássica, mais usada até então.
- A blogosfera científica é bem ativa em países como Estados Unidos. Como você vê a blogosfera científica brasileira?
Vejo a blogosfera científica brasileira como incipiente, como nova, por mais que alguns blogs já tenham mais de dez anos de existência. Ainda temos poucos blogs de ciência no Brasil e esses blogs costumam ser transitórios – a pessoa se empolga para escrever, começa a escrever, escreve por um ou dois anos e de repente para (e isso vem de alguém que há um bom tempo já não tem escrito no próprio blog), mas eu sinto que falta essa nossa necessidade de escrita aqui no Brasil, e isso é importante até para o aluno que está começando a pesquisa, o aluno de pós-graduação que começa a fazer o trabalho agora, se não escreve em outros meios, como um blog de ciência, ele só vai por a mão na massa mesmo ou para escrever um artigo – que é a maneira como ele vai ser julgado por todo mundo, ou para escrever a tese dele que é o resultado final do trabalho, salvo aqueles que têm uma agência de pesquisa ou outra, como a FAPESP3, que cobra relatórios periódicos. Então são poucas as oportunidades que o aluno tem para escrever antes de chegar no artigo de fato, e isso com certeza não vai deixar que ele pratique o suficiente para escrever um bom artigo depois. Então sinto essa falta de incentivo e de uso dos blogs de ciência como, inclusive, ferramenta de treino de escrita para quem está começando.
- Você acha que há aceitação e engajamento da comunidade científica e acadêmica nacional no uso dessas novas ferramentas interativas de comunicação da ciência? Por quê?
Pois é, isso toca justamente no que eu comecei a falar na pergunta anterior, ainda não há aceitação e engajamento necessário na comunidade científica acadêmica nacional em parte pela própria diferença de geração – quem faz pesquisa hoje em dia cresceu tendo outra referência como fonte de pesquisa; são as pessoas que passaram grande parte da carreira, desde o início da pesquisa, lendo conteúdo impresso e que ainda não estão familiarizadas com este tipo de ferramenta e, em parte, porque não tem um incentivo, uma cobrança em cima disso – e eu falo de incentivo e cobrança porque aqui no Brasil a gente tem pouquíssimas agências de financiamento de pesquisa que têm um poder enorme de incentivo às ferramentas que são usadas, então, diferentemente de qualquer lugar no mundo, no Brasil todo pesquisador tem um currículo virtual que é o Currículo Lattes4, porque só terá financiamento à pesquisa quem fizer o Currículo Lattes, e o CNPq5 pode fazer isto porque controla grande parte do financiamento nacional. Então falta um incentivo deste tipo por parte das agências para cobrar o uso dessas ferramentas e valorizá-lo – valorizar que eu digo é usar métricas de blogs-, por exemplo, como avaliação do desempenho do pesquisador, quer dizer, se a pesquisa é feita no tripé pesquisa, extensão e educação porque não avaliar a extensão com a produtividade do pesquisador escrita em divulgação por blogs? Nós respondemos muito a incentivos e é, em parte, essa falta de incentivo para uso dessa ferramenta que diminui sua credibilidade e o engajamento. É muito frequente falar sobre blogs, mostrar o uso que podem ter e ver a cara dos pesquisadores mudando e falando “nossa, mas eu não fazia ideia que servia para isso”, quer dizer, não é que as pessoas não aceitam uma coisa que elas conhecem e acham que aquilo não é importante, é que elas simplesmente não têm contato com aquilo e por isso mesmo não valorizam.
- O que poderia promover os blogs de ciência na comunidade científica e acadêmica?
Além, claro, do incentivo e do uso de blogs como avaliação de desempenho do pesquisador, do engajamento para comunicação e troca de ideias, além da necessidade de promover o uso dentro das instituições, ainda há a falta de noção de como esse uso pode ser enriquecedor e pode trazer boas colaborações ou a participação de mais pessoas. Então discutir um resultado estranho, por exemplo, num blog ou uma metodologia ou um caderno de ata é uma maneira de ter gente opinando, interagindo e falando sobre aquilo. É uma maneira de conseguir colaboradores, de conseguir apoio, de receber críticas – que são enriquecedores para a pesquisa. O que falta é o apoio institucional e a visão de que isso pode ser importante para a instituição, fomentar a escrita entre quem está lá dentro, o apoio educacional dos pesquisadores para entenderem que incentivar os alunos a escrever em blogs é uma forma de botar esses alunos para escrever desde cedo e deixá-los se familiarizar com ferramentas de escrita, de organização, com métodos de escrita e comunicação com o público, que vão fazer muita falta na hora de por a mão na massa no artigo de fato, além de proporcionar essa noção de colaboração e de criação de uma comunidade que interage também online.
- E entre o público em geral, quais são as ações que você sugere pra estimular o acesso e a leitura de blogs de ciência por esse público?
A responsabilidade não é do público, o público já está na internet, já está clicando e lendo o que gosta. A responsabilidade é de quem escreve, para tornar este conteúdo atraente – e é uma responsabilidade massacrante, mas é real. Se eu for escrever um texto de divulgação científica que é só um parágrafo, sem espaço, sem figura, sem nada com uma lista de referências ao final, não adianta achar que as pessoas vão se interessar e clicar naquilo porque elas não vão. Então eu acho que o maior estímulo para o acesso e leitura por parte do público, além, claro, da educação – que deve ser tratada desde a base -, o gargalo está, principalmente, na facilidade de comunicação dos pesquisadores, o que virá com treino e familiaridade com a ferramenta. Então o que há é esse ciclo vicioso onde não é incentivado o uso de blog, não é reconhecido, não é valorizado e quem faz isso blogar sobre ciência, faz com grande dificuldade. A partir do momento que tivermos mais incentivo para fazer isso, mais gente se familiarizando com a plataforma, com as ferramentas e com a maneira de escrever e se comunicar com o público, blogs vão ser mais aceitos. Hoje em dia, o público que lê blogs ainda é um público muito elitizado, por conta da educação necessária para entender e receber aquele conteúdo que está ali dentro. E não tem que ser assim – se o texto for bem escrito, bem explicado e bem embasado, vai ser atraente para todo mundo.
Notas:
- Research Blogging: plataforma que agrega blogs de ciência. http://researchblogging.com/.
- A plataforma Research Blogging atualmente agrega blogs em 7 diferentes idiomas: inglês, espanhol, português, italiano, alemão, polonês e chinês.
- FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, importante órgão de fomento à pesquisa no Brasil.
- Currículo Lattes – plataforma que reúne currículos virtuais da comunidade acadêmica e de pesquisa do Brasil. É obrigatória para a obtenção de subsídios para pesquisas. http://lattes.cnpq.br/ .
- CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, agência do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) destinada ao fomento da pesquisa científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no Brasil. Coordena e mantém o Currículo Lattes.
atilaSobre Atila Iamarino
Eu sou Atila Iamarino, biólogo, pesquisador, trabalho com a evolução de HIV e em breve também vou trabalhar com evolução do genoma de vírus de DNA e escrevo blogs, começando pelo Rainha Vermelha desde 2007; fui um dos criadores do ScienceBlogs Brasil, ainda hoje a maior rede em língua portuguesa de blogs de ciência, parte da maior rede mundial de blogs, o ScienceBlogs.com. Eu vou responder perguntas aqui sobre o uso de blogs como ferramenta científica, tratando aí um pouquinho de como eles podem ser importantes, tanto paro público quanto para as instituições quanto para os pesquisadores.