Após a divulgação de estudo recente do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que mostra que o número de igrejas evangélicas no Brasil cresceu 228% nos últimos 25 anos, o jornal francês Le Monde publicou uma reportagem neste domingo falando da onda protestante que toma conta do país.
Por:RFI
Com o título “A onda evangélica varre o Brasil”, o Le Monde repercute o crescimento dos templos e afirma que no maior país católico do mundo, a Igreja Romana deve se tornar minoria nos próximos dez anos. O diário francês também destaca a participação dos evangélicos na política e os escândalos envolvendo líderes religiosos. A reportagem contextualiza historicamente a presença da religião católica no país, trazida pelos portugueses na época da colonização. Neste período, segundo a publicação, o protestantismo era a religião dos estrangeiros e invasores: os huguenotes franceses, uma colônia instalada numa ilha no Rio de Janeiro entre 1555 e 1560; a dos holandeses que ocuparam parte do Nordeste no século XVII e dos missionários alemães, suecos e ingleses, que fundaram as primeiras comunidades luteranas, batistas, anglicanas, metodistas ou presbiterianas no século XIX. “Tudo muda entre 1910 e 1911. Duas igrejas, a Congregação Cristã e as Assembleias de Deus, foram fundadas respectivamente em São Paulo e Belém por missionários suecos e italianos vindos dos Estados Unidos. Os ensinamentos destes pentecostais contrastam com os dos austeros luteranos. Para eles, o batismo é um segundo nascimento e o culto um verdadeiro êxtase, uma comunhão direta e carismática com o Espírito Santo, como os apóstolos no dia de Pentecostes. A partir de 1950, sua fé se difunde no Brasil sob múltiplos nomes: “Casa da Bênção”, “Deus é Amor”, “Quadrangular”, etc”, destaca Le Monde. De lá para cá, os pequenos espaços que recebiam os devotos foram se multiplicando e crescendo em tamanho e recursos. O exemplo citado pelo jornal é o do Templo de Salomão, em São Paulo, da Igreja Universal do Reino de Deus, um complexo que tem quase duas vezes a altura do Cristo Redentor, promove cultos com até 10 mil fiéis sentados e que custou cerca de € 210 milhões (mais de R$ 1,1 bilhão em conversão atual).
Dízimo e o mercado evangélico
Le Monde destaca também o fato de muitos templos, como a Igreja Universal, possuírem um banco próprio porque, segundo a publicação, “a proximidade com Deus não acontece de graça”. “Os fiéis são fortemente aconselhados a pagar o dízimo à sua congregação, o equivalente a 10% dos seus salários mensais. Uma igreja de Belo Horizonte chega a cobrar 30% em nome da Santíssima Trindade: 10% para o Pai, 10% para o Filho e 10% para o Espírito Santo”, continua o jornal. O “mercado da fé” também é mencionado: editoras, lojas de roupas, restaurantes e até sex-shops estão entre os negócios comandados pelas igrejas evangélicas no país.
Religião e política
Outro ponto destacado pelo diário é a relação das igrejas evangélicas com a política brasileira. Le Monde faz uma análise da entrada dos evangélicos no cenário político nacional e de como a esquerda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisou se adaptar para atrair o eleitorado protestante, além das divergências que persistem, especialmente envolvendo as pautas conservadoras. “A esquerda se irrita com as posições muito conservadoras, se não retrógradas, da maioria dos pastores. Estes últimos não escondem a sua posição anti-gay, antidrogas e anti-marxista. São contra os estudos de gênero e, sobretudo, contra o aborto, em nome da defesa da família”, destacou o Monde.
“Deus acima de todos”
Segundo Le Monde, com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, a igreja evangélica viu “a oportunidade de avançar com seu projeto de poder. Seria o início de uma ‘nação evangélica’ ou de uma ‘nação cristã’, com um Estado submetido aos seus princípios morais”, destacou a jornalista Andrea Dip, autora do livro “Em nome de quem? ”, dedicado ao “lobby da Bíblia”. E o diário completa: “Chegando ao poder, o capitão não decepcionou seus admiradores. Colocou ministros evangélicos na Educação e na Justiça e cancelou € 260 milhões de dívidas das igrejas. Em plena pandemia de Covid-19, assinou um decreto permitindo que os locais de culto fossem mantidos abertos ao público”.
Igreja Universal
Por fim, a reportagem traça o perfil do bispo Edir Macedo. O fundador da Igreja Universal é classificado como “um dos poucos no mundo a ter sob o seu domínio uma Igreja, uma rede de televisão, um partido político e um banco”. Com uma fortuna avaliada pela Forbes em cerca de € 1,2 bilhão, Macedo é apontado como um dos homens mais ricos do Brasil, e que apesar de já ter sido preso, acusado de charlatanismo e lavagem de dinheiro, nunca foi condenado e continua dando as cartas tanto na igreja que controla quanto na política nacional. A reportagem termina afirmando que ninguém é capaz de prever até onde irá a onda evangélica. Mesmo com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, outros nomes como Michele Bolsonaro, Damares Alves ou Nikolas Ferreira podem ser novos representantes dos protestantes nos centros de decisão. Para Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, de São Paulo, ouvida pela publicação, “a ascensão dos evangélicos não é uma ameaça à democracia e reflete o pluralismo religioso do Brasil. O verdadeiro perigo vem dos pastores fundamentalistas que exploram a fé, a política e os eleitores”, disse.