Márcio Alexandre
O primeiro chute quase toca os céus. Ele é pequeno, mas a felicidade lhe dá uma força grande. Chuta a bola e ri. Brinca e se alegra. Enquanto espera a pelota retornar do alto, dá cambalhotas. É um espetáculo da inocência. Um show da infância. Uma exibição da pureza.
Milhões acompanham. São as gotículas da densa chuva que cai. Elas testemunham a cena como convidadas. De intruso, apenas meu olhar por entre as frestas da janela. As verdadeiras expectadoras se deslumbram com a peça. E aplaudem. Caem cada vez mais forte, como que batendo palmas. Chegam ao chão com mais barulho, como gritos de alegria.
Raios e trovões se multiplicam no cosmo. Dão medo nos grandes. E avivam o pequeno. Ele recebe como fogos. É o artifício que ganha de Deus para manejar com ainda mais habilidade a redonda. Simula uma bicicleta, com o clarão das faíscas celestes ao fundo. A jogada não sai como imaginou, mas as risadas saem como nós gostaríamos. A diversão é mais importante do que hipotética perfeição de um ato.
A torrente aumenta e o menino segue em seu momento sublime. Os relâmpagos não o intimidam, apesar de parecerem cada vez mais próximos do cenário. Os estampidos ecoam ainda mais fortes. Intimidadores. Trovejam como ameaça. Ribombam como aviso: é um perigo estar ali. Tudo se desenrola próximo a um enorme cajueiro. O risco é grande. Não para aquele infante. Não naquele momento: os céus protegem a inocência.
Professor e jornalista