Fabiana Gonçalves Colaboração para o VivaBem 16/06/2021
Todos os alimentos que são oferecidos ao bebê durante a introdução alimentar terão um papel fundamental nas suas escolhas alimentares do futuro. Mas assim como acontece de os adultos terem aversões a determinados alimentos, o mesmo pode acontecer com a criança. Ela também pode rejeitar o sabor da carne logo no início da introdução alimentar, por exemplo.
Segundo especialistas, é normal que a criança rejeite um novo sabor por um curto período de tempo, mas também pode acontecer de ela não aceitar o alimento e pronto. “Todos temos preferências e aversões alimentares que são inatas. Na introdução alimentar, que vai dos seis aos 12 meses, é muito importante a variedade de alimentos e sabores para a criança se habituar e ter experiência para quando crescer não ser tão seletiva na escolha do que comer. E se um alimento é rejeitado, ele pode ser substituído por outro do mesmo grupo alimentar, sem prejuízos à saúde”, aponta Gisele Pontaroli Raymundo, nutricionista e professora do curso de nutrição da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Mas e quando esse alimento de recusa é justamente a carne? Presença garantida na mesa dos brasileiros e considerada como uma proteína completa, já que além de possuir o famoso ferro heme, de fácil absorção pelo organismo, ainda é rica em zinco, fósforo, potássio, magnésio, selênio e vitamina B12. Entretanto, ela pode ser substituída por ovo, frango ou peixe sem problema algum, já que, segundo Loretta Campos, pediatra pela USP (Universidade de São Paulo) e consultora internacional em Aleitamento Materno (IBCLC), e membro da Sociedade Goiana e Brasileira de Pediatra, a criança está recebendo outra fonte proteica.
“Nesses casos, o ideal é que os pais ofereçam outras fontes de ferro em substituição à carne. Mas eles também podem estimular a aceitação desse alimento, modificando a sua apresentação, que pode facilitar a aceitação pelo paladar. Por exemplo, se o bebê na introdução alimentar não come carne cozida, pode apresentá-la na forma de bolinhos, tortas ou misturado com algum outro alimento que ele goste”, sugere. Dessa forma, dá para fazer com que a criança, aos poucos, vá aceitando melhor o sabor da carne.
Pais são os melhores exemplos
Por outro lado, existem famílias que são vegetarianas ou veganas e, por conta do seu estilo de vida, não oferecem nenhum tipo de carne ao filho desde a introdução alimentar (na verdade antes, durante a gestação e a amamentação). Logo, as primeiras experiências dos pequenos são baseadas no tipo de alimentação que a família segue. Por isso é comum que a criança vegetariana venha de uma família que segue esse estilo de vida.
Quando a criança é maior é possível que a mudança na alimentação parta dela. “À medida que a criança cresce e vai desenvolvendo mais autonomia, as predileções vão aparecendo e ela começa a mostrar um pouco mais da sua personalidade, daquilo que faz sentido para ela. Por isso é comum que crianças mais velhas optem por não consumir carne, mesmo sendo de uma família onívora”, afirma Mariana Del Bosco, nutricionista, mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP, professora de nutrição do Centro Universitário Senac-SP.
Independentemente dos motivos que fizeram a criança parara de comer carne, os pais precisam oferecer a ela uma dieta balanceada, colorida e, acima de tudo, rica em macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e sais minerais), que são fundamentais para o seu desenvolvimento.
O que dizem os órgãos reguladores de saúde?
Para a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), não há nenhuma objeção às crianças serem vegetarianas. A Associação Dietética Americana e a Academia Americana de Pediatria também consideram a dieta vegetariana apropriadamente planejada, como sendo saudável, nutricionalmente adequada e que promove benefícios à saúde, prevenindo doenças. Ou seja, o mais importante é a qualidade dos alimentos que são oferecidos às crianças desde a introdução alimentar para que elas tenham um bom desenvolvimento durante a infância.
Lembrando que a introdução alimentar deve ser acompanhada pela amamentação, assim como ocorre com as crianças onívoras. Ela deve ser priorizada e mantida por pelo menos os seis primeiros meses de vida do bebê, como preconiza a SBP e a OMS (Organização Mundial de Saúde). De preferência deve ser estendida como alimentação complementar até os dois anos. Caso seja necessário o uso de fórmula, este deve ser orientado pelo pediatra.
“Durante a introdução alimentar, a alimentação é complementar ao leite materno ou à fórmula, até que o bebê aprenda a comer. E a partir de um ano de vida, a alimentação passa a ser a base e o leite, o complemento”, orienta Karoline Martins, nutricionista especialista em educação alimentar e nutricional pela Uniasselvi (Centro Universitário Leonardo da Vinci), e em alimentação escolar pela UFPA (Universidade Federal do Pará).
A alimentação nessa fase deve ser composta de frutas nos lanches da manhã e da tarde e, durante as refeições principais (almoço e jantar), conter todos os grupos alimentares: carboidratos, proteínas e gorduras.
Quando é necessário suplementar a alimentação?
Toda criança, por recomendação da SBP, deve receber suplementação de ferro e vitamina D a partir do sexto mês e segue até os dois anos. “No caso de uma criança vegetariana, essa suplementação de rotina não muda. Porém, como não há fontes seguras de vitamina B12 em uma dieta vegetariana, a suplementação dessa vitamina é fundamental, sobretudo na primeira infância”, afirma Bruno Shoiti Maehara, pediatra e especialista em neonatologia pela FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), pós-graduado em nutrição vegetariana pela SVB (Sociedade Vegetariana Brasileira) e certificado em nutrição plant based pela Cornell University (EUA).
Ele assegura que a alimentação vegetariana é simples, barata, saudável e sustentável. “Ela é baseada em leguminosas, cereais, raízes, legumes, hortaliças, verduras, frutas e oleaginosas. Ou seja, alimentos naturais, não processados, que não precisamos desembalar”.
Para equilibrar a falta da proteína animal no cardápio dessas crianças, o pediatra afirma que é necessário ajustar as fontes de proteína baseada nos alimentos de origem vegetal. E o grupo das leguminosas e dos cereais contêm proteínas de forma suficiente para o pleno desenvolvimento delas. “Seria interessante apenas aumentar a porção e a variedade de leguminosas no prato da criança quando retiramos a carne. Mas isso precisa ser planejado com a ajuda de um profissional”, afirma.
O médico salienta, ainda, a necessidade de um acompanhamento médico e nutricional mais próximo, bem como com coletas de sangue regulares, de preferência a cada seis meses, para certificar que se seu desenvolvimento esteja ocorrendo de forma saudável, como preconiza a SBP.
A médica Loretta Campos lembra que é muito importante acompanhar o desenvolvimento da criança através dos gráficos de crescimento, do ganho de peso, para avaliar se ela está evoluindo de forma adequada nas consultas mensais com o pediatra. E se houver alguma defasagem, é preciso um olhar mais atento para a alimentação e, quando necessário, fazer a suplementação.”
Quanto mais natural a alimentação, melhor
Embora a proteína animal seja considerada completa, pois oferece todos os aminoácidos essenciais (estruturas básicas que compõe as proteínas), “com combinações corretas dos grupos alimentares, a gente também consegue a oferta de todos os aminoácidos”, assegura Gisele Pontaroli Raymundo. “Ao consumir um cereal com uma leguminosa, como é o caso do tradicional arroz e feijão, essa combinação já oferece todos os aminoácidos que precisamos para sintetizar os tecidos e ajudar no crescimento”, afirma. Se após essa refeição a criança consome uma fonte de vitamina C como sobremesa (mexerica, laranja, goiaba) ou mesmo um suco de fruta cítrica, aumenta a absorção do ferro da alimentação.
Segundo a professora, o alimento vegetal mais rico em cálcio é o gergelim, mas deve estar moído para ser digerido facilmente e o cálcio, absorvido. Pode ser oferecido na forma de farinha ou de tahine, que pode dar sabor a várias preparações.
Outro grupo de alimento rico em cálcio são as folhas verde-escuras como couve, espinafre, agrião e rúcula. “Como eles costumam ser mais amargos por causa da sua composição, podem ser oferecidos na forma de bolinhos assados, tortas, sucos e ou misturados a outras preparações de preferência das crianças. Lembrando que o cálcio não se perde durante o cozimento”, complementa.
Dentre as opções de cereais, as escolhas podem ser entre arroz, milho e derivados, trigo e derivados, cevada, centeio e quinoa. Como toda alimentação saudável, é preciso evitar o consumo de alimentos ultraprocessados (salgadinhos de pacote, biscoitos, refrigerantes), consumir com moderação os processados (enlatados e conservas) e oferecer o máximo possível frutas e vegetais coloridos, diariamente.
Fonte: uol.com.br/vivabem